A EIRELI e sua qualificação jurídica
Com um atraso de mais de 20 anos em face dos países europeus, a legislação brasileira, finalmente, passou a permitir a constituição da empresa individual de responsabilidade limitada. Até hoje, vigorava o princípio de que a responsabilidade do empresário individual pelas dívidas da empresa era ilimitada, ou seja, o patrimônio particular do empresário poderia ser executado e penhorado em virtude do não pagamento das dívidas ou de falência da empresa.
No caso das sociedades comerciais ou empresárias, a exemplo da sociedade limitada e da sociedade anônima, o patrimônio particular dos sócios não responde pelas dívidas da empresa, salvo nas hipóteses de fraude a credores ou abuso da personalidade jurídica.
O empresário individual, desse modo, encontrava-se em posição de evidente desvantagem em comparação aos sócios ou acionistas de sociedades, o que representava um desestímulo aos investimentos e à inversão de capitais particulares em atividades produtivas, porque o patrimônio particular do titular da firma individual ficava exposto ao risco comercial.
Apesar da ausência de limitação da responsabilidade do titular da firma individual, no Brasil, atualmente, metade das empresas são constituídas sob a forma de empresa individual, enquanto que a outra metade é representada por sociedades empresárias, muitas delas meramente fictícias, em que um único sócio majoritário exerce um poder quase absoluto.
A partir da Lei 12.441, de 11/07/2011, que alterou o Código Civil e inseriu o art. 980-A, será possível a criação da empresa individual de responsabilidade limitada EIRELI, que tem como principais vantagens a de preservar do risco comercial o patrimônio particular do empresário e de sua família, de estimular a regularização de empresas informais que hoje funcionam sem registro na Junta Comercial, e também para incentivar a inversão de capitais em atividades produtivas mediante a criação de novas empresas.
A partir dos estudos doutrinários, passaram a existir divergências quanto à qualificação ou natureza jurídica da EIRELI. Para alguns autores, como Alfredo de Assis Gonçalves Neto, a lei brasileira “não atribuiu ao empresário individual responsabilidade limitada aos bens que afetar à sua empresa, na linha da mais recente orientação do direito francês (Lei 658, de 15.06.2010, que dispôs sobre o empreendedor individual de responsabilidade limitada); também não escolheu o caminho da sociedade unipessoal. Preferiu a fórmula não societária sob peculiar roupagem, regulando uma nova figura jurídica – a empresa individual de responsabilidade limitada -, próxima do modelo português do estabelecimento comercial de responsabilidade limitada, com a diferença do patrimônio destinado ao seu negócio pertencer a pessoa diversa, tanto do empresário quanto da sociedade empresária.” (Direito de empresa – Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2012, p. 123).
Na opinião de Fábio Ulhoa Coelho, a EIRELI, como instituto jurídico, seria, simplesmente, “o nome juris dado, no Brasil, à sociedade limitada unipessoal” (Curso de Direito Comercial, vol. 1, 18ª edição, 2014, p. 127).
Na 1ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, prevaleceu a primeira tese, segundo o Enunciado nº 3: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”.
A matéria, todavia, ainda está em discussão, e grande parte do problema decorre, exatamente, da imperfeição do modelo adotado pela Lei 12.441/2011.