Teoria Crítica da Empresa
O direito comercial brasileiro passou e vem passando por radical transformação a partir da vigência do Código Civil de 2002. Essa transformação somente é comparável à introdução do regime jurídico do comerciante pelo Código de Comércio do Império, em 1850. Durante mais de 150 anos, a atividade comercial foi disciplinada sob a concepção subjetivista do comerciante, pessoa física, como centro da regulação normativa. Todavia, a concepção objetivista dos atos de comércio também detinha posição auxiliar na definição da matéria comercial, especialmente na legislação complementar ao Código Comercial, nas disposições do Regulamento 737, de
Devido à própria obsolescência natural do Código de 1850, diante das radicais transformações culturais, sociais e econômicas do final do século XIX e por todo o século XX seguinte, a atividade comercial passou a ser regulada muito mais pela legislação supletiva do que pelo Código Comercial. Surgiram, assim, normas que foram modernizando a disciplina da atividade dos comerciantes e das sociedades mercantis, a exemplo da regulação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, das sociedades por ações, dos novos títulos de crédito, dos contratos mercantis, da lei de falências e concordatas, das leis de reforma bancária e do mercado de capitais, do registro público de empresas mercantis, das micros e pequenas empresas, da propriedade industrial, da proteção do consumidor e da defesa da concorrência. Neste âmbito de regulação da atividade empresarial, os interesses que se manifestaram com maior predominância sempre foram aqueles fundados nos princípios do liberalismo econômico. Afinal, o sistema capitalista, de livre mercado, é aquele adotado no Brasil desde a Constituição de 1824. Nesse contexto, não evoluíram, por todo o século XX, os debates para a revisão do Código Comercial, predominando a regulação da atividade econômica na legislação complementar.
Este trabalho se dedicará, em primeiro lugar, a analisar a empresa como agente econômico, na sua longa evolução histórica, do mercador ao empresário, da formação do direito comercial nas corporações medievais até a presente era da globalização. No segundo capítulo, será explorada a questão da codificação do direito comercial, como direito especial, e o movimento da descodificação do direito privado, que surge em contraposição à desatualização legislativa e à rigidez dos códigos nos países vinculados ao sistema latino ou romano-germânico. A partir da análise dessa herança histórica, será explorado, no terceiro capítulo, o modo como, no Brasil, foi promovido a tentativa de unificação do direito das obrigações e do direito societário por imposição do Código Civil de 2002, e as principais antinomias desse regime. O quarto capítulo tem por objetivo aprofundar o estudo da empresa e seus conceitos fundamentais, e o modo como a atividade do empresário e das sociedades comerciais vem a ser regulada pelo sistema de direito positivo. Os capítulos quinto e sexto procuram aprofundar as críticas ao Código Civil na matéria obrigacional, dos contratos empresariais, e das sociedades mercantis, que foram os institutos mais afetados por esse regime pretensamente unificador. Por fim, nos capítulos sétimo e oitavo, à guisa de conclusão, serão desenvolvidas novas ideias e propostas voltadas à renovação da legislação mercantil, especialmente pela possibilidade de aprovação de um novo Código Comercial e a revogação do direito de empresa, hoje regulado, de modo contraditório, pelo Código Civil.
Cabe destacar que, somente a partir do Código Civil de 2002, ao revogar a primeira parte do Código Comercial de 1850, a empresa passa a constituir objeto central da disciplina jurídica da atividade econômica, regulada pelo direito empresarial, nova denominação científica do antigo direito comercial. Contudo, o regime do direito de empresa, apesar da aparente modernidade dos conceitos e do novo sistema normativo, foi introduzido no Brasil de modo artificial, por mera reprodução e importação do Código Civil italiano de 1942, sem respeitar a rica construção da nossa secular experiência mercantil. Essa é a conclusão que resultará deste trabalho, que desenvolve uma abordagem crítica ao investigar as contradições desse aparentemente novo regime do direito de empresa.
Grande parte dessas contradições pode ser debitada à excessiva demora na tramitação do Código Civil de 2002 no Congresso Nacional, por quase três décadas. E tal defasagem temporal, em área de regulação normativa altamente dinâmica, como a atividade empresarial, influenciada pelas transformações aceleradas da globalização econômica no século XXI, está a exigir a revisão dos seus conceitos, princípios e normas. Na análise crítica dessa defasagem conceitual e legislativa, reside o objeto central do presente trabalho. Daí o seu título: teoria crítica da empresa.
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